2008-01-11

por que não te calas? vs. porque não te calas?

São de longa data as incertezas sobre este tema. Não obstante, os sites de dúvidas de algibeira, como seja o ciberduvidas.sapo.pt, continuam a oferecer as mesmas respostas inoperantes. Daí as perguntas recorrentes, numa conversa pouco menos que de surdos.

Citemos, a propósito, um asserto recente, saído da batuta
de uma tal Maria Regina Rocha:

"Nesta frase, porque é um advérbio interrogativo, que em português europeu (de Portugal) é sempre uma só palavra."


Ora, tal como refere a douta senhora, um advérbio na acepção tradicional, seja ele interrogativo ou de outro jaez, é por definição constituído por uma só palavra, assim se distinguindo formalmente da chamada locução adverbial.


Traduzido em miúdos, o que dona Maria afirma, porventura insciente da proeza, é na realidade o seguinte:

"Nesta frase, porque é uma só palavra, que em português é sempre uma só palavra."

Como tautologia, é realmente um achado! Pode inclusive acontecer que a directora alfacinha que solicitou o esclarecimento se dê por satisfeita.

Não é de todo infrequente este tipo de papagueado propalado por Rochas & Cia.

Sobre esta questão do por que interrogativo, refiramos a título contrastivo a conclusão a que chegaram dois entendidos, cujas cabeças se mostram capazes de irem além de mero suporte do penteado. O passo seguinte é extraído, data venia, da obra Áreas Críticas da Língua Portuguesa, de João Andrade Peres e Telmo Móia. Para lá remetemos os interessados numa análise reflexiva.

"Temos, pois, de concluir que não há - muito pelo contrário! - qualquer razão imperativa de carácter semântico ou sintáctico para que [...] se use porque em vez de por que. Haverá talvez uma motivação de analogia com outras línguas [...]. De qualquer modo, parece evidente que, no caso dos compostos com a preposição por em português [...], só uma convenção pode impor tal procedimento. [...] Cremos que a clareza estrutural da língua talvez tivesse algo a ganhar se, neste particular, Portugal seguisse a política brasileira, deixando de grafar como unidade porque e porquê. Curiosamente, em tempos recentes, tem-se verificado em Portugal uma tendência espontânea para a separação."

Não há como negar o quanto certas convenções podem ser estultas, tampouco o haver sempre alguém disposto a segui-las cegamente.

No comments: