Formas equivalentes para desvairados gostos.
Precaridade - formada regular e naturalmente dentro da língua, a partir da base adjectiva precári- mais o sufixo -dade.
PrecariEdade - formada por analogia com o modelo latino propriu-: propriEtate- (por isso aquele acrescento a modos que misterioso do -E-, que não existe nem na base nem no sufixo vernáculos).
Uma e outra forma são relativamente recentes em português (surgem provavelmente no séc. 20, já que nenhuma delas consta do Vocabulário de Gonçalves Viana, publicado em 1914.)
Ambas foram acolhidas em dicionários portugueses (por exemplo, Porto Editora e Cândido de Figueiredo, este último com a observação de que precaridade foi usado por Rui Barbosa, jurista, político e polígrafo brasileiro, geralmente reverenciado como um luminar do idioma, sobretudo entre os vernaculistas da velha escola.
É certo que precaridade não consta dos conceituados dicionários brasileiros Aurélio e Houaiss, embora apareça registado no não menos conceituado Vocabulário da Academia Brasileira de Letras, editado aliás sob a direcção do mesmo Houaiss.
Isto no que toca a abonações ditas cultas.
Quanto à sua frequência relativa, uma rápida guglagem (pesquisa no Google, ferramenta nética que constitui em certo sentido o melhor dicionário fraseológico e contextual de qualquer idioma e que rapidamente evidencia o despreparo de muitos desfazedores de dúvidas linguísticas que por aí andam) dá-nos uma clara maioria de ocorrências para precariedade (297.000 contra 20.400).
Registe-se, a título pedagógico e exemplificativo, a indignação ingénua do aduaneiro Armando Dias, de Lagos, e as certezas não menos ingénuas das caceteiras Maria Regina Rocha e Ana Martins. Para as distintas madames, as opções alheias não passam, em geral, de erros vulgares e confusão.
2008-01-23
2008-01-15
pra quem brinca co fogo
É corrente na oralidade usar uma forma sincopada da preposição para: pra mim, prà frente, pròs amigos, pràs colegas.
Querendo reproduzir este jeito oral na escrita, há muita e bem intencionada gente que insere um apóstrofo depois do p a fim de indicar a supressão da vogal. Nada de mal nisso: não se perde o entendimento do enunciado e, numa democracia, cada qual tem a liberdade de escrever como queira, ao contrário do que muito caceteiro que por aí anda desejaria.
No entanto, de acordo com as regras da ortografia lusitana:
"Não se emprega o apóstrofo: [...] c) na forma sincopada pra (= para) e nas contracções dela com o artigo ou pronome o, a, os, as: prò, prà, pròs, pràs;" - Instruções para a organização do Vocabulário (...), que foram aprovadas pela Conferência de 1945.
Ora, admira que uma suposta especialista na matéria desconheça esta regra explícita com mais de meio século de existência e escreva:
"Qual o português, nascido e criado em Portugal, que não reconhece (...) botar p'ra quebrar? "
Sobretudo, depois de ter escrito o seguinte:
"quem desconhece a ortografia desconhece, em grande parte, a estrutura da sua língua materna em diferentes domínios"
Ana Cristina Sousa Martins, de sua inteira graça, além de biscatear no semanário Sol e no site ciberduvidas.sapo.pt, onde se compraz com distribuir cacetadas, é doutorada (!) em linguística.
Cf. o currículo da senhora.
Querendo reproduzir este jeito oral na escrita, há muita e bem intencionada gente que insere um apóstrofo depois do p a fim de indicar a supressão da vogal. Nada de mal nisso: não se perde o entendimento do enunciado e, numa democracia, cada qual tem a liberdade de escrever como queira, ao contrário do que muito caceteiro que por aí anda desejaria.
No entanto, de acordo com as regras da ortografia lusitana:
"Não se emprega o apóstrofo: [...] c) na forma sincopada pra (= para) e nas contracções dela com o artigo ou pronome o, a, os, as: prò, prà, pròs, pràs;" - Instruções para a organização do Vocabulário (...), que foram aprovadas pela Conferência de 1945.
Ora, admira que uma suposta especialista na matéria desconheça esta regra explícita com mais de meio século de existência e escreva:
"Qual o português, nascido e criado em Portugal, que não reconhece (...) botar p'ra quebrar? "
Sobretudo, depois de ter escrito o seguinte:
"quem desconhece a ortografia desconhece, em grande parte, a estrutura da sua língua materna em diferentes domínios"
Ana Cristina Sousa Martins, de sua inteira graça, além de biscatear no semanário Sol e no site ciberduvidas.sapo.pt, onde se compraz com distribuir cacetadas, é doutorada (!) em linguística.
Cf. o currículo da senhora.
2008-01-13
ainda sobre hipotiZar
Hipotizar, no sentido de admitir algo por hipótese, é um neologismo, isto é, um vocábulo de emprego recente em português. Como explicá-lo?
Desta vez, parece não haver influência directa do inglês, onde a forma correspondente é hypothesise (grafia britânica) ou hypothesize (grafia americana).
O uso relativamente frequente em peças jurídicas aponta para um empréstimo do italiano, onde ipotizzare está bem estabelecido e dicionarizado. Regista-o por exemplo o Dizionario Garzanti di Italiano como o sentido de "prevedere come ipotesi, suppore, ammettere". Uma busca no Google atesta que o seu uso não é de modo algum restrito aos meios jurídicos, tanto em Portugal como no Brasil.
É ainda muito utilizado no espanhol sob forma idêntica à portuguesa, e também usado com alguma frequência em francês sob a forma hypotiser.
Desta vez, parece não haver influência directa do inglês, onde a forma correspondente é hypothesise (grafia britânica) ou hypothesize (grafia americana).
O uso relativamente frequente em peças jurídicas aponta para um empréstimo do italiano, onde ipotizzare está bem estabelecido e dicionarizado. Regista-o por exemplo o Dizionario Garzanti di Italiano como o sentido de "prevedere come ipotesi, suppore, ammettere". Uma busca no Google atesta que o seu uso não é de modo algum restrito aos meios jurídicos, tanto em Portugal como no Brasil.
É ainda muito utilizado no espanhol sob forma idêntica à portuguesa, e também usado com alguma frequência em francês sob a forma hypotiser.
hipotiZar
André Rocha, advogado da Figueira da Foz, pediu ao ciberduvidas.sapo.pt um esclarecimento sobre o neologismo hipotizar. O senhor F.V.P. da Fonseca, antigo professor de português do Colégio Militar, respondeu o seguinte:
"Hipotizar, para já, está errado na grafia, pois teria de ser hipotisar, derivado de hipótese, e portanto naturalmente com s. Mesmo com a ortografia acertada, hipotisar é, de facto, um neologismo que certamente, daqui a algum tempo, os dicionários começarão a registar, por ser perfeitamente compreensível; mas cuidado no emprego do s, pois com z não se pode admitir."
Não há razão para acolher o apressado parecer do douto opinador no que tange à grafia do vocábulo.
É verdade que hipotizar está de algum modo relacionado com hipótese. No entanto, se o nosso douto senhor Fonseca tivesse pensado um instante que fosse, teria reparado que TODOS os verbos terminados em -isar provêm de bases vocabulares em que esse -i- já lá existe. Assim, por exemplo, avisar, de avIs(o) + ar. Não há excepções a esta regra ortográfica, pois em português convencionou-se que não há nenhum sufixo que se grafe *-iSar, mas sim apenas
-iZar. Em analisar, avisar, etc., o que há é um sufixo -ar.
É esta até uma das normas fundamentais da ortografia oficial portuguesa, distnguindo-se ela neste particular da ortografia oficial francesa, onde sempre se escreve -iSer. Assim, onde o português tem organiZar, realiZar, a par de analiSar, viSar, etc., o francês simplifica em organiSer, réaliSer, harmonizando deste modo as terminações com as de analyser, etc.
De modo que, no seguimento da argumentação do nosso já não tão douto opinador, talvez pudéssemos ter hipotEsar (hipótes(e) + ar), mas nunca *hipotIsar.
Como explicar então este hipotiZar em português? É o que veremos no próximo post.
"Hipotizar, para já, está errado na grafia, pois teria de ser hipotisar, derivado de hipótese, e portanto naturalmente com s. Mesmo com a ortografia acertada, hipotisar é, de facto, um neologismo que certamente, daqui a algum tempo, os dicionários começarão a registar, por ser perfeitamente compreensível; mas cuidado no emprego do s, pois com z não se pode admitir."
Não há razão para acolher o apressado parecer do douto opinador no que tange à grafia do vocábulo.
É verdade que hipotizar está de algum modo relacionado com hipótese. No entanto, se o nosso douto senhor Fonseca tivesse pensado um instante que fosse, teria reparado que TODOS os verbos terminados em -isar provêm de bases vocabulares em que esse -i- já lá existe. Assim, por exemplo, avisar, de avIs(o) + ar. Não há excepções a esta regra ortográfica, pois em português convencionou-se que não há nenhum sufixo que se grafe *-iSar, mas sim apenas
-iZar. Em analisar, avisar, etc., o que há é um sufixo -ar.
É esta até uma das normas fundamentais da ortografia oficial portuguesa, distnguindo-se ela neste particular da ortografia oficial francesa, onde sempre se escreve -iSer. Assim, onde o português tem organiZar, realiZar, a par de analiSar, viSar, etc., o francês simplifica em organiSer, réaliSer, harmonizando deste modo as terminações com as de analyser, etc.
De modo que, no seguimento da argumentação do nosso já não tão douto opinador, talvez pudéssemos ter hipotEsar (hipótes(e) + ar), mas nunca *hipotIsar.
Como explicar então este hipotiZar em português? É o que veremos no próximo post.
2008-01-12
"por que" substantivado
Tradicionalmente no Brasil e em Portugal, escreve-se aglutinadamente o "por quê" substantivado, isto é, equivalente a "o motivo/a causa". Também aqui há uma certa incongruência. Vejamos as seguintes orações:
1. Desconheço o porquê / para quê da decisão.
2. Isso é uma coisa sem porquê nem para quê.
Por que aglutinar "porquê" e separar "para quê"? Melhor seria, talvez, nos termos das regras convencionais sobre o emprego do hífen, grafar por-quê e para-quê.
Segundo a Base XXVIII da Convenção Ortográfica de 1945, "emprega-se o hífen nos compostos em que entram, foneticamente distintos (...) combinações de palavras, em que o conjunto dos elementos, mantidas a noção de composição, forma um sentido único ou uma aderência de sentidos."
1. Desconheço o porquê / para quê da decisão.
2. Isso é uma coisa sem porquê nem para quê.
Por que aglutinar "porquê" e separar "para quê"? Melhor seria, talvez, nos termos das regras convencionais sobre o emprego do hífen, grafar por-quê e para-quê.
Segundo a Base XXVIII da Convenção Ortográfica de 1945, "emprega-se o hífen nos compostos em que entram, foneticamente distintos (...) combinações de palavras, em que o conjunto dos elementos, mantidas a noção de composição, forma um sentido único ou uma aderência de sentidos."
"por que" explicativo e causal
O "por que" explicativo, correspondente a "porquanto / pois", e o causal, correspondente a "pelo facto/motivo de que", são tradicionalmente, no Brasil e em Portugal, grafados aglutinadamente. (Nem sempre existem fronteiras nítidas entre o causal e o explicativo.) Também aqui, a aglutinação gráfica convencional não resiste a uma análise sintáctica.
1. Não pago, porque não há razão para tal. (explicativo)
2. Tu não pagas porque não queres? (causal)
Haverá razões suficientes para a aglutinação, além de uma certa tradição gráfica? Vejamos algumas transformações das orações acima.
3.a - Não pago, por não haver razão para tal.
3.b - Não pago, que não há razão para tal.
4 - Tu não pagas por não quereres?
Aqui se evidencia a autonomia funcional da preposição "por" e do pronome "que", pelo que uma convenção no sentido de se escrever sempre "por que" separados, além de facilitar a vida às pessoas, seria de todo acorde com a estrutura da língua.
1. Não pago, porque não há razão para tal. (explicativo)
2. Tu não pagas porque não queres? (causal)
Haverá razões suficientes para a aglutinação, além de uma certa tradição gráfica? Vejamos algumas transformações das orações acima.
3.a - Não pago, por não haver razão para tal.
3.b - Não pago, que não há razão para tal.
4 - Tu não pagas por não quereres?
Aqui se evidencia a autonomia funcional da preposição "por" e do pronome "que", pelo que uma convenção no sentido de se escrever sempre "por que" separados, além de facilitar a vida às pessoas, seria de todo acorde com a estrutura da língua.
ainda sobre o "por que" interrogativo
Um dos motivos, se não o principal, por que alguns hesitam entre por que e porque nas interrogativas é o de não verem, e com razão, o por quê da falaciosa distinção, tão do agrado dos papagueadores, entre
1. Porque gostas de mim?
2. Por que razão gostas de mim?
Vimos já que a safada explicação do "porque = advérbio interrogativo" é uma redundância que nada explica. Além do que, para serem coerentes com o seu (pseudo)argumento, os papagueadores deveriam então aceitar distinções gráficas do género:
3. Paraque queres isso?
4. Para que fim queres isso?
ou ainda
5. Comque te entreténs?
6. Com que coisas te entreténs?
1. Porque gostas de mim?
2. Por que razão gostas de mim?
Vimos já que a safada explicação do "porque = advérbio interrogativo" é uma redundância que nada explica. Além do que, para serem coerentes com o seu (pseudo)argumento, os papagueadores deveriam então aceitar distinções gráficas do género:
3. Paraque queres isso?
4. Para que fim queres isso?
ou ainda
5. Comque te entreténs?
6. Com que coisas te entreténs?
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